O oitavo pecado capital.

O oitavo pecado capital.
Chad Greiter - Unsplash

Os sete pecados capitais não surgiram na Bíblia, como muitos acreditam. Essa conhecida lista foi elaborada pelo monge grego Evágrio Pôntico (345-399), no século IV, com o objetivo de mapear os principais vícios que atrapalhavam a vida espiritual. Segundo a doutrina católica, esses pecados são vistos como a raiz de todos os vícios e ações pecaminosas.

O termo “capital” vem do latim Caput, que significa “cabeça”. Assim, os pecados capitais são considerados os “líderes”, as cabeças que originam todos os demais comportamentos destrutivos. Eles não são, necessariamente, ações concretas, mas sim tendências humanas que predispõem ao vício.

Curiosamente, a primeira lista elaborada por Evágrio Pôntico continha oito pecados capitais, incluindo um vício que soa bastante contemporâneo: a tristeza. No entanto, a lista que conhecemos hoje é fruto de adaptações feitas ao longo dos séculos. O Papa Gregório I (540-604) reduziu a lista para sete pecados, excluindo a preguiça e elevando o orgulho à categoria de “senhor” de todos os pecados. Mais tarde, o frade católico Tomás de Aquino (1225-1274) consolidou a lista que chegou até os dias de hoje: soberba, avareza, inveja, ira, luxúria, gula e preguiça.

Embora esses pecados tenham raízes religiosas, é inegável que eles sirvam como uma poderosa referência para se compreender o comportamento humano e seus efeitos negativos nas relações interpessoais. Mesmo no século XXI, marcado pelo avanço tecnológico e pela cultura do imediatismo, os sete pecados ainda refletem tendências destrutivas que afetam a vida cotidiana.

Contudo, será que o comportamento humano contemporâneo teria desenvolvido um oitavo pecado capital? Algum vício moderno que se equipare ao impacto negativo dos pecados capitais listados na antiguidade? Na minha percepção profissional, sim. O mundo hipermoderno criou um novo tipo de sujeito: o superexigente, também conhecido como “o chato”.

As pessoas excessivamente exigentes são frequentemente vistas como difíceis de agradar ou complicadas de conviver. Essa característica pode envolver uma postura rígida e inflexível que se manifesta em todos os aspectos da vida — desde escolhas triviais na rotina até decisões importantes e definitivas. Em geral, pessoas muito exigentes têm uma personalidade forte e são independentes, o que pode levá-las a impor suas vontades constantemente. Esse comportamento, muitas vezes, é reflexo de uma criação marcada por cobranças excessivas, resultando em uma personalidade extremamente crítica e controladora. A rigidez emocional e a busca incessante por perfeição podem ser, na verdade, uma crença disfuncional e um mecanismo de defesa, conhecido na psicanálise como Idealização, criados para lidar com a busca de padrões perfeitos como forma de negar imperfeições próprias ou dos outros.
Apesar de essas pessoas não agirem com má intenção, a exigência excessiva pode ser prejudicial tanto para quem a pratica quanto para aqueles que convivem com essa postura. O julgamento precipitado de que essa característica define alguém como “chato” surge justamente desse comportamento exagerado, que tende a criar atritos e desgastes emocionais. É importante destacar que a exigência não é, por si só, um comportamento negativo. Pessoas exigentes costumam defender valores importantes, honrar compromissos e incentivar os outros a darem o melhor de si. Muitas vezes, essas características positivas são negligenciadas, pois o excesso de cobrança acaba obscurecendo os bons resultados que essa postura pode gerar. O verdadeiro dilema do “chato” está no equilíbrio entre a busca por excelência e a rigidez desmedida. Quando a exigência ultrapassa os limites saudáveis e gera conflitos constantes, é um sinal de que algo precisa ser revisto.

Existem algumas características que frequentemente acompanham o comportamento superexigente e que muitas vezes passam despercebidas por quem age dessa forma. Pessoas exigentes tendem a apresentar um comportamento passivo-agressivo, demonstrando seu descontentamento de forma indireta, o que pode deteriorar seus relacionamentos. Também costumam procrastinar ou atrasar propositalmente tarefas que não consideram importantes, ainda que sejam suas responsabilidades. Outra característica comum é a falta de atenção durante conversas, demonstrando desinteresse pelas opiniões e experiências dos outros, priorizando apenas seus próprios pontos de vista. Essa postura é frequentemente acompanhada pelo hábito de interromper os outros durante uma conversa, impedindo que os interlocutores se expressem plenamente.
A necessidade constante de estar certo é outra característica marcante dessa personalidade. Muitas vezes, discutir até ter a última palavra é uma prática comum dessas pessoas, que buscam sempre justificar seus posicionamentos. Essa característica costuma vir acompanhada de uma forte tendência à autopromoção excessiva, onde o indivíduo destaca constantemente suas próprias realizações, mesmo que isso não seja relevante para a situação. Esse padrão também se manifesta na forma de pessimismo crônico, no qual a pessoa está sempre reclamando, apontando falhas e encontrando problemas, mesmo em situações positivas. Além disso, pessoas exigentes têm dificuldade em priorizar informações importantes, dando o mesmo peso a detalhes irrelevantes e questões significativas, tornando conversas e decisões mais desgastantes e confusas.

A psicologia explica que esse comportamento muitas vezes está associado a uma condição emocional chamada crise de mania, onde o sistema de recompensa cerebral — responsável pelas sensações de prazer — fica hiperestimulado. Durante esses episódios, a pessoa sente prazer ao impor suas vontades, buscar perfeição ou controlar o ambiente à sua volta. Essa sensação temporária de bem-estar acaba reforçando o comportamento, criando um ciclo vicioso. Na prática, isso significa que a chatice não é apenas uma escolha consciente, mas pode ter raízes emocionais e inconscientes mais profundas. Assim como os pecados capitais foram descritos como vícios que contaminam o comportamento humano, o comportamento superexigente pode ser visto como um novo padrão destrutivo que afeta não apenas as relações sociais, mas também a própria percepção de felicidade e realização pessoal.

Se os sete pecados capitais servem, até hoje, como uma referência poderosa para identificar comportamentos prejudiciais, acredito que a exigência excessiva ou a “chatice” pode, de fato, se encaixar como uma possível extensão dessa lista.

Vivemos em uma era marcada pela busca incessante por eficiência e resultados impecáveis, mas essa mesma busca, quando levada ao extremo, pode sufocar a espontaneidade, a tolerância e a flexibilidade necessárias para uma convivência saudável. O comportamento do “chato” simboliza essa obsessão contemporânea pela perfeição, pelo controle e pela autoafirmação, criando relações sociais desgastantes e ambientes emocionalmente tóxicos. Assim como a tristeza foi vista como um pecado capital no passado — representando uma forma de apatia que distanciava o indivíduo do convívio humano saudável —, a chatice pode refletir, hoje, um comportamento que nos afasta do equilíbrio e da harmonia nas relações interpessoais. 

Seria essa uma nova forma de pecado social, adaptada às demandas do mundo moderno?

Se os sete pecados capitais do frade Tomás de Aquino podem servir como uma referência para se medir o comportamento humano, a “chatice” poderia, então, ser considerada o oitavo pecado capital. Um comportamento que, embora não tenha surgido nos textos religiosos antigos, parece ser um vício típico do tempo hipermoderno, revelando as dificuldades emocionais e sociais que marcam a contemporaneidade.

 

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