A maturidade como estação dos vínculos reais.

A maturidade como estação dos vínculos reais.
Mahmut Celik

A chamada “crise da meia-idade” tem sido amplamente estudada como um fenômeno biopsicossocial, caracterizado por reavaliações existenciais profundas que emergem, com maior frequência, a partir dos cinquenta anos, um período em que o sujeito confronta simultaneamente a finitude, o legado e o esgotamento de antigos referenciais identitários. Na prática clínica, observa-se que, para muitos homens, essa etapa não se manifesta como um colapso repentino, mas como um processo de descompressão simbólica e emocional. O olhar perde parte do brilho da conquista e passa a refletir uma inquietação madura: não mais “o que quero ser”, mas “o que ainda faz sentido ser”. A tensão entre o ideal de vida projetado e a realidade vivida inaugura uma travessia subjetiva que envolve corpo, desejo, afeto e propósito.

No entanto, seria reducionista compreender a meia-idade apenas sob a ótica do declínio. Muitos homens vivem este período como uma fase de potência ampliada. Em termos cognitivos e afetivos, atingem o ápice da competência profissional, da capacidade de síntese e da maturidade emocional. São indivíduos que preservam vitalidade, investem em práticas esportivas, expandem repertórios e demonstram um autoconhecimento que a juventude, por definição, ainda não comporta.

Paradoxalmente, é justamente nesse ponto alto que surgem as perguntas mais inquietantes. O corpo ainda responde, mas já anuncia seus limites. O desejo permanece, mas pede novos sentidos. O sucesso alcançado deixa entrever uma falta que não é material, mas simbólica. É a lucidez do meio do caminho: o reconhecimento de que a vida não é mais infinita, mas ainda está repleta de possibilidades.

Sob a perspectiva psicanalítica, esse momento marca a reconfiguração do eu ideal. As fantasias de onipotência, sucesso e controle, que sustentaram o narcisismo da juventude, cedem espaço à experiência da realidade. O sujeito é convocado a revisar suas identificações narcísicas e a integrar contradições antes negadas. A libido, outrora canalizada para a conquista e o desempenho, busca novos objetos de investimento: autenticidade, legado e reconhecimento de si como sujeito desejante, não apenas produtivo. Esse deslocamento não representa patologia, mas amadurecimento psíquico. Trata-se de uma reorganização das instâncias do ego, em que o superego punitivo se torna mais brando e o ego ganha plasticidade para acolher suas próprias imperfeições. Surge, então, uma potência mais silenciosa, sustentada na capacidade de suportar a vulnerabilidade sem vivê-la como derrota.

Pela ótica Cognitivo-Comportamental (TCC), a meia-idade ativa esquemas cognitivos centrais relacionados a desempenho, controle e valor pessoal. O homem que sempre mediu sua autoestima pela produtividade começa a experimentar dissonâncias entre suas crenças nucleares: “preciso ser útil para ser digno”, “não posso falhar”, e a realidade de um corpo e de um mundo em transformação. Essas dissonâncias, associadas a distorções de pensamento como catastrofização e comparação social, podem gerar ansiedade e autoquestionamento, mas também impulsionar crescimento e reestruturação. Esse é o momento propício para revisar narrativas internas e desenvolver uma mentalidade de flexibilidade psicológica, substituindo autocríticas rígidas por interpretações mais coerentes com a maturidade alcançada. Trata-se de um período fértil para a reconstrução cognitiva e emocional do self adulto.

As alterações fisiológicas associadas ao envelhecimento como o declínio hormonal, variações de libido e alterações de energia, compõem parte importante desse cenário. Estudos como Sexual Dissatisfaction and Associated Factors Among Middle-Aged Men (2025) demonstram que a experiência sexual na meia-idade é multifatorial, combinando componentes biológicos, psicológicos e relacionais. Conceitos como couplepause e doublepause, desenvolvidos pela Università di Roma Tor Vergata (2024), descrevem o desafio do casal em reajustar suas dinâmicas afetivas e sexuais diante de transformações simultâneas nos dois parceiros. O termo couplepause refere-se à pausa conjugal que ocorre quando apenas um dos parceiros, geralmente a mulher, durante o climatério, vivencia alterações hormonais que afetam desejo, humor e resposta sexual. Já o conceito de doublepause amplia essa ideia, considerando o momento em que ambos enfrentam modificações hormonais e emocionais próprias do envelhecimento, exigindo uma renegociação da intimidade e do ritmo do desejo. Nesse contexto, é fundamental que o homem compreenda, com empatia e discernimento, os desconfortos que acompanham a menopausa, como redução de estrogênio, secura vaginal, oscilações de humor e diminuição do desejo sexual, reconhecendo que tais manifestações não configuram rejeição, mas expressão de um corpo em transição. Contudo, há também um outro aspecto que precisa ser igualmente reconhecido: muitos homens chegam à meia-idade em plena vitalidade. Mantêm o interesse sexual elevado, encontram prazer na experiência corporal e, em diversos casos, vivem um momento de apogeu físico e autoconfiança, especialmente quando conciliam saúde, prática esportiva e estabilidade emocional. Esse vigor, porém, frequentemente colide com o recuo sexual da parceira, gerando frustrações e sentimentos de descompasso que não devem ser interpretados como divergências de libido, mas como expressões de ritmos biológicos e emocionais distintos que pedem tradução mútua.

É igualmente essencial que a mulher compreenda o desejo do homem maduro, um desejo que pode ser intenso, curioso e ainda profundamente vivo, mas agora mais consciente e relacional. A reciprocidade emocional, nesse ponto, torna-se terapêutica: o homem que acolhe a vulnerabilidade da mulher e a mulher que reconhece a vitalidade do homem criam o espaço simbólico necessário para que o encontro não se perca, mas se transforme. Quando ambos se autorizam a dialogar sobre prazer, limites e fantasias, a sexualidade deixa de ser medida pela frequência ou desempenho e passa a ser vivida como comunhão, uma experiência de presença, sintonia e renovação do vínculo. Assim, a meia-idade não é o fim da potência erótica, mas o início de um erotismo mais lúcido, comunicativo e simbólico. O desejo não desaparece; ele encontra novas formas de expressão. Quando o casal compreende que o corpo não é mais o mesmo, mas ainda é território de encontro, o envelhecimento se torna não um obstáculo, mas um convite: o de descobrir que maturidade e erotismo podem, sim, coexistir e se potencializar mutuamente.

Em muitos casos, o fenômeno que antecede o distanciamento conjugal é o silêncio. A socialização masculina tradicional, ancorada em ideais de autossuficiência e racionalidade, restringe a expressão emocional e inibe a busca por suporte afetivo. O imperativo de “ser forte” converte-se em mecanismo defensivo de isolamento, gerando o que a literatura contemporânea denomina solidão emocional masculina. Esse padrão cultural de repressão afetiva compromete a construção de vínculos significativos. Homens que projetam toda sua rede emocional no cônjuge tornam-se especialmente vulneráveis quando a conjugalidade se fragiliza. A ausência de amizades íntimas e de espaços de partilha gera um vácuo relacional que pode se manifestar em irritabilidade, compulsão, apatia ou raiva, expressões sintomáticas do afeto recalcado.

Na clínica psicanalítica, essa desconexão traduz-se em um desencontro entre o sujeito e sua própria sensibilidade. A emoção, quando recalcada, reaparece sob a forma de somatização. Na TCC, entende-se esse mesmo fenômeno como desregulação emocional derivada de crenças disfuncionais absolutistas. Em ambas as perspectivas, o objetivo é comum: promover reconexão e consciência emocional.

A Psicanálise busca reinscrever o sujeito em sua própria narrativa simbólica; a TCC, por sua vez, oferece ferramentas concretas para modificar padrões de pensamento e comportamento que perpetuam o sofrimento. Na minha prática clínica, integro essas duas dimensões: o insight subjetivo e a autorregulação objetiva, promovendo um espaço em que compreensão e ação caminham juntas no processo de transformação. A essa dimensão interna somam-se fatores contextuais como tensões financeiras, sobrecarga laboral e lutos familiares. O estudo Midlife Financial Strain and Later-Life Health and Wellbeing (2023) manifesta que o estresse econômico afeta diretamente a saúde mental e conjugal de indivíduos de meia-idade. Esses estressores funcionam como amplificadores de vulnerabilidade, potencializando microfrustrações cotidianas que, cumulativamente, corroem o senso de conexão no casal.

Entretanto, a meia-idade não deve ser vista apenas como o início do declínio, mas como o auge de uma vida complexa, um ponto de encontro entre potência e consciência. O fenômeno dos gray divorces (separações após os cinquenta) é real, assim como é real o número crescente de casais que redescobrem a intimidade, reinventam a parceria e constroem vínculos mais autênticos, ou mesmo uma nova vida ao lado de novos parceiros.

Processos terapêuticos centrados na vulnerabilidade e na comunicação emocional mostram-se eficazes para restaurar laços conjugais. Estratégias de ativação comportamental, como a reintrodução de gestos de cuidado e a valorização de microexpressões de afeto, produzem resultados consistentes. Na Psicanálise, a restauração ocorre quando o desejo volta a circular: quando o outro deixa de ser espelho narcísico e se torna presença viva, passível de amor e de alteridade.

A meia-idade, portanto, é um convite à reintegração do self. O homem que reconhece seus limites sem se submeter a eles, descobre uma forma mais elevada de potência, não a potência da conquista, mas a da presença. Reencontrar o próprio desejo, por meio de novos projetos, vínculos e práticas de autocompreensão, é um ato de reparação simbólica e amadurecimento emocional.

A subjetividade masculina, tantas vezes colonizada pelo fazer, encontra espaço para o ser. Nesse sentido, a travessia da meia-idade não é o fim de um ciclo, mas o início de uma consciência mais complexa e integrada: aquela que sabe que vulnerabilidade e força não são opostos, mas expressões complementares da mesma maturidade.

Em síntese, a crise da meia-idade é processo de individuação. Sob a integração entre Psicanálise e TCC, compreende-se que o sofrimento dessa etapa não é apenas racional nem puramente inconsciente; é estrutural, vivencial e, sobretudo, transformador.

O desafio não é evitar a crise, mas habitá-la com lucidez e coragem, para que o colapso se converta em criação, e o medo do fim se transforme na possibilidade de um novo começo.

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