O Perigo oculto do sucesso.

O sucesso, embora amplamente desejado e celebrado, pode paradoxalmente conter as sementes do fracasso. A história do Annapurna IV é um exemplo impressionante desse fenômeno. Localizada no Himalaia, essa montanha já foi uma das cinco mais altas do mundo. Entretanto, há cerca de 800 anos, sofreu um gigantesco deslizamento de terra que reduziu sua altura em quase um quilômetro. O evento não foi causado por uma geleira, como seria esperado em regiões montanhosas, mas sim pelo peso excessivo da própria montanha, que ultrapassou seu limite estrutural e colapsou. O material deslocado foi tão imenso que, se fosse levado a Manhattan, poderia soterrar a cidade até a altura do Empire State Building. Assim como a montanha Annapurna IV, que ruiu sob o peso de sua própria grandiosidade, indivíduos e organizações frequentemente enfrentam quedas não por forças externas, mas por consequências diretas do próprio êxito. Esse ciclo, que alterna crescimento e declínio, é uma constante na vida pessoal, profissional e social, e acredito que ele pode ser compreendido por meio dos princípios da Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), abordagem que utilizo no meu trabalho.
Essa impressionante metáfora ilustra como o crescimento desmedido pode gerar um colapso inevitável — uma realidade que se aplica não apenas à geologia, mas também ao comportamento humano, ao sucesso profissional e ao crescimento das empresas.
Na minha experiência clínica, percebo que padrões de pensamento e comportamento contribuem muito para esses ciclos. O fenômeno da superconfiança, por exemplo, é uma armadilha comum para aqueles que atingem o sucesso. Ao acreditar que estão imunes a falhas ou que não precisam mais se esforçar, muitas pessoas negligenciam os cuidados que sustentaram seu progresso. Essa crença, conhecida como esquema mental disfuncional, gera comportamentos impulsivos e decisões negligentes. O indivíduo que antes se destacava pela persistência e atenção aos detalhes passa a confiar apenas na ideia de que sua experiência e conquistas garantem a continuidade do sucesso — uma suposição perigosa. Para interromper esse padrão, trabalho a reestruturação cognitiva, onde ajudo o paciente a questionar crenças irracionais e substituí-las por pensamentos mais realistas e equilibrados. Assim, a crença rígida de que “nada pode dar errado” pode ser transformada em uma postura mais prudente e sustentável, como “estou em uma posição sólida, mas preciso manter o foco e a dedicação”. Outro aspecto relevante que merece atenção é o impacto do sucesso nas relações interpessoais. Paradoxalmente, o êxito pode despertar inveja e ressentimento, dificultando a construção e a manutenção de vínculos saudáveis. O sentimento de inferioridade provocado pelo sucesso alheio muitas vezes leva amigos, colegas e até mesmo familiares a se afastarem, adotarem uma postura hostil ou, em alguns casos, a se submeterem e reforçarem a imagem e as opiniões de superioridade do outro. Esse fenômeno está relacionado ao conceito da comparação social, muito presente nas minhas sessões. Em situações assim, é comum que o indivíduo bem-sucedido adote pensamentos automáticos distorcidos, como acreditar que todos estão contra ele ou que sua vitória precisa ser constantemente defendida. Essa percepção pode provocar isolamento e um ciclo de autossabotagem. Para ajudar meus pacientes a reinterpretarem essas situações de forma mais equilibrada, uso a descatastrofização e o diálogo socrático, para desafiar crenças excessivamente negativas e promover uma avaliação mais objetiva da realidade.
Outro elemento que contribui para o ciclo de declínio é a complacência, um comportamento que percebo com frequência após um período prolongado de sucesso. Quando se atinge uma posição de estabilidade, é tentador acreditar que o esforço contínuo é desnecessário. Essa mentalidade, que costumo trabalhar sob a perspectiva do mindset fixo, leva ao relaxamento das práticas que garantiram o êxito inicial. Em oposição a isso, incentivo a adoção do mindset de crescimento, que enfatiza a necessidade de evolução constante e de se manter aberto a novos aprendizados e desafios. A Amazon adota uma filosofia interessante que compartilho com muitos pacientes: a ideia de operar sempre como se estivesse no “Dia 1”, conceito que reforça a mentalidade de inovação contínua. Tanto empresas quanto indivíduos que cultivam esse estado mental têm maior probabilidade de se adaptar e prosperar diante de mudanças inesperadas.
Essa complacência também se relaciona com a ilusão da estabilidade passiva — a crença equivocada de que o sucesso se sustenta por si só. No entanto, na minha prática, costumo alertar que a maioria das áreas da vida exige estabilidade ativa — um estado que só se mantém por meio de esforço constante e consciente. Relacionamentos, carreiras e até mesmo o bem-estar emocional demandam atenção, revisão e manutenção contínuas para que possam permanecer saudáveis e produtivos. O abandono desse cuidado, por excesso de confiança ou sensação de segurança, é uma das principais causas do colapso de indivíduos e organizações bem-sucedidas.
Outro aspecto psicológico crucial que observo nesse ciclo é a relação entre sucesso e insatisfação. Essa sensação de vazio após grandes conquistas é frequentemente explicada pelo conceito da adaptação hedônica, que descreve como as pessoas, após alcançarem determinado nível de sucesso ou conforto, rapidamente se acostumam a essa nova realidade e passam a desejar ainda mais. Essa busca constante por uma nova meta ou conquista pode levar à exaustão e a uma sensação persistente de inadequação. Para ajudar meus pacientes a lidarem com essa insatisfação, incentivo o reconhecimento e a valorização das conquistas já obtidas, e o mapeamento de valores pessoais, que direciona o indivíduo para objetivos mais alinhados com seu propósito de vida.
Romper o ciclo que alterna sucesso e fracasso requer mais do que reconhecer que ele existe. É necessário adotar uma postura ativa de autocontrole e gerenciamento emocional, cultivando hábitos que sustentem o crescimento contínuo. Estratégias como manter uma mentalidade de aprendizado, praticar o autocuidado emocional e manter vínculos sociais saudáveis podem proteger tanto indivíduos quanto organizações de um declínio evitável.
O verdadeiro segredo para um sucesso sustentável não está apenas na conquista, mas na capacidade de reconhecer sua fragilidade e agir constantemente para preservá-lo. A história da montanha Annapurna IV nos lembra que crescer sem cuidado ou controle pode levar a um colapso inevitável. Aceitar que o ciclo do crescimento e declínio é uma parte natural da vida não significa se resignar ao fracasso, mas sim adotar uma postura de vigilância, aprendizado e adaptação contínua. É na gestão ativa desse ciclo que reside o verdadeiro poder de alcançar e manter conquistas significativas.