O Chat GPT e a terapia.

Se você já lutou para imaginar como a vida mudará no próximo século graças à tecnologia, console-se, você não está sozinho. Mais de 100 anos atrás, alguns artistas franceses tentaram fazer a mesma coisa. Durante esse tempo, um dos escritores de ficção científica mais influentes de todos os tempos estava ocupado deixando sua imaginação correr solta com todas as possibilidades que a era da ciência estava abrindo. Esse escritor foi Júlio Verne, cuja coleção chamada Voyages Extraordinaires continha 55 romances, incluindo os conhecidos 20.000 Léguas Submarinas e A Volta ao Mundo em 80 Dias. Ele até escreveu um pequeno trabalho imaginando como seria a vida em um milênio no futuro chamado In The Year 2889. As histórias de Verne eram populares entre os franceses, e sua imaginação fantasiava as infinitas possibilidades do futuro.
Mas, sabemos que não existe um futuro, mas vários futuros possíveis. Aprender sobre os assuntos atuais e aceitar as tendências externas nos coloca em uma posição muito melhor para entendê-las, separando o que é verdade, opinião ou palpite. Ficar a vontade com a ambiguidade nos permite buscar todos os tipos de possibilidades. Mas só o homem, de posse de seu repertório e com seu contexto frente a uma incerteza ou ambiguidade, é capaz de criar conexões entre dados diferentes para abstrair significados. Me refiro à forma como interpretamos informações, levando em conta valores pessoais subjetivos, o que a máquina não é capaz de fazer, pois para uma tomada de decisão, ou a significação das emoções, o homem usa sempre sua intuição.
Devemos fazer algumas reflexões sobre o Chat GPT e a relação com a terapia, pois têm muita gente usando este assistente virtual como terapeuta, pedindo respostas para seus conflitos.
Conversar com máquina não é novidade. Em 1964, o professor do MIT Joseph Weizenbaum desenvolveu um programa de computador que entendia frases digitadas por usuários e as respondia. Deu-lhe o nome de Eliza. Logo apareceu gente dizendo que nutria sentimentos pelo programa. Em 2014, o filme Ela traz o personagem Theodore (Joaquin Phoenix), um escritor solitário que acaba se apaixonando pela voz de um sistema operacional, dando início a uma relação amorosa entre ambos. Esta história de amor incomum explora a relação entre o homem contemporâneo e a tecnologia.
"Acho que o ChatGPT já é um psicólogo melhor do que 80% dos profissionais que tem no mercado hoje", diz um internauta, sobre a suposta função da inteligência artificial. Em uma das conversas, o chat respondeu que acreditava no potencial da pessoa e que estaria sempre disponível quando ela precisasse de apoio ou encorajamento. Em outro, o chat diz: "Eu entendo que às vezes podemos nos sentir inseguros ou com medo do fracasso, mas lembre-se que esses sentimentos são normais e todos passam por ele em algum momento. O importante é não deixar que esses sentimentos te impeçam de seguir em frente e tentar fazer o seu melhor".
A ausência do medo de julgamento é um dos grandes motivadores para o uso da ferramenta dessa maneira, o que mostra a completa falta de informação sobre uma das condutas de um bom terapeuta: o não julgamento. A ferramenta não é um substituto à psicoterapia, e seu uso pode trazer prejuízos, pois as respostas são sempre o que você quer ouvir. O ChatGPT é apenas um gerador de texto que não discerne entre certo e errado e nem sabe lidar com aspectos complexos de sentimentos, traumas e conflitos. A Inteligência realiza conexões a partir da assimilação de bilhões de conteúdos interconectados que fornecem dados estatísticos regulares que uma vez repetidos milhões de vezes, capacita a máquina a fazer previsões e dar sequência a um texto seja científico, cultural, sociológico ou qualquer outra coisa.
Realmente é muito confortável. O chatbot está sempre à disposição, não exige nenhum sacrifício de enfrentamento de realidades difíceis, usando palavras gentis na emissão de conselhos e sugestões do tipo lugar-comum, lembrando aqueles manuais de autoajuda bem ruins, com respostas genéricas.
Os seres humanos são felizes por viverem na escuridão confortável de sua ignorância, tendo apenas alguns pontos de iluminação da realidade em que vivem, pois se fosse possível relacionar todos os conteúdos de sua mente, a humanidade se defrontaria com uma realidade tão apavorante que a solução para não enlouquecer seria fugir da luz e voltar para o escuro. Pensar exige espera e paciência para contemporizar as angústias que assolam a mente pela incerteza ao desconhecido, tolerar a dor da frustração, a perda da onipotência e onisciência e o defrontar-se com a vulnerabilidade do não saber. O chatGPT proporciona a ignorância de si mesmo, evitando a dor do conhecimento de sua realidade interna e externa, onde o novo e o inesperado não tem lugar. Configura-se a morte da incerteza, caracteristica da evolução humana, onde a criatividade abre possibilidades para o enfrentamento do desconhecido. As pessoas parecem desprovidas dessa condição, evitando a dor da frustração e cada vez mais buscam alívio imediato para suas angústias com o uso de alteradores de consciência, como o álcool, as drogas, o consumo compulsivo, a super exposição em redes sociais, comida em excesso, manuais de autoajuda ou tudo isso junto.
O terapeuta disponibiliza sua escuta privilegiada para captar estados mentais de profunda angústia, desamparo, temores e mesmo aos estados de medo ao aniquilamento de si mesmo que ocorre em situações de profundo desamparo social e existencial, permitindo um espaço de acolhimento, acompanhando o paciente no contato da profunda angústia do seu mundo psíquico, proporcionando respeito a sua individualidade e singularidade, tratadas sem conotação moral ou valorativa. O analista não se coloca no lugar de autoridade dizendo ao paciente o que ele deve fazer, mas o ajuda a encontrar um significado para aquilo que ele está vivendo.
A ideia de usar o Chatboot para este fim, também rompe com um aspecto ético importante das terapias do mundo real: o sigilo profissional que impede que o psicólogo saia por aí contando dramas que ouviu dos pacientes. Será possível preservar essa confidencialidade quando tudo o que é escrito pode ser armazenado por uma empresa? O que acontece se seus sentimentos, complexos e angústias forem acessados? Sua saúde mental aguentaria mais esse baque? Lembre-se que a máquina acumula informações para se tornar mais eficiente. Outro risco que não é levado em conta é o da dependência. A ferramenta pode ajudar com estratégias para melhorar alguns sintomas, mas o paciente pode acabar acreditando que é incapaz de resolver seus problemas sem o auxilio da inteligência artificial.
As pessoas estão encantadas com a Inteligência Artificial; outras tantas, angustiadas com a progressão do uso da ferramenta e dos algoritimos, criando ameaças aos empregos e ao futuro, determinando o que comemos, o que vestimos, a música que ouvimos e até mesmo sobre nossas opiniões.
A terapia sempre terá espaço fundamental para iluminar os caminhos incertos, ajudando a lidar com o não saber e as inúmeras dúvidas do ato de viver.