Relações Hipermodernas

Relações Hipermodernas
Photo by Nathan Dumlao / Unsplash

Experimentamos uma diversidade tanto na composição quanto nas formas de relacionamentos. Pessoas adultas que moram sozinhas, mulheres que não desejam mais ter filhos, o casamento tradicional homem-mulher, onde o homem é o provedor e a mulher é submetida ao suporte da vida do marido e dos filhos, não são mais o único modelo. A entrada da mulher no mercado de trabalho mudou radicalmente as relações familiares e junto aos avanços tecnológicos, transformaram a noção de concepção e paternidade, que através de pesquisas e estudos no campo da infertilidade, proporcionou o aparecimento de famílias monoparentais onde a presença do pai não tem mais o mesmo peso de antigamente. Quanto aos namoros, alguns mantêm o padrão tradicional como um treinamento para um futuro compromisso, mas, na maioria das vezes, ninguém é responsável por ninguém. Cada um que cuide de si e procure se defender dos sofrimentos da separação. O tom amoroso do século XXI, consequência da nova moral cultural e das características das sociedades de consumo, apresenta traços particulares: as relações são instáveis e fugazes, o objeto amoroso é descartável como qualquer objeto na lógica do consumo. As relações têm que ser leves no sentido da falta de compromisso, mas ao mesmo tempo têm de ser algo da ordem de um excesso e do espetacular. Não há diferença entre o público e o privado, encontros e rompimentos são vividos e totalmente compartilhados nas redes sociais. As ligações frouxas e compromissos revogáveis são os preceitos que orientam os laços entre os indivíduos. Ligar-se ligeiramente a qualquer coisa que se apresente e abandoná-la rapidamente é o que conta. É imperativo viver no presente e pelo presente obtendo o máximo de satisfação possível, evitando as inquietudes e sofrimentos, priorizando os finais rápidos e indolores, pois sem eles seria impossível recomeçar. Evitar o luto, atenuar a dor, diminuir a angústia e calar o sofrimento frente às perdas e decepções afetivas são as soluções mais buscadas atualmente.

No discurso hipermoderno, a pressa funciona como evitação do enfrentamento; o desenvolvimento do sujeito no ambiente relacional fica comprometido, abrindo espaço para um ser superficial e imaturo. Os aplicativos oferecem inúmeras opções, construíndo uma somatória de frustrações, pois nenhuma relação, ou poucas, são realmente alçadas ao compromisso imperecível, projetando seres cada vez mais descrentes da lógica humana primitiva de viver a dois. Na escolha do objeto narcísico, o modelo é a relação do indivíduo consigo mesmo. É uma relação marcada pela onipotência, onde as limitações, os enganos e os erros são vividos como ofensa pessoal. Uma das afirmações psicanalíticas é que o homem chega ao amor através do sexo, e a mulher chega ao sexo através do amor. Como fica isso hoje? Na atualidade, uma das dimensões do masculino está atrofiada: o cavalheirismo. As mulheres se ressentem, por outro lado, estão bem mais ativas e arrojadas quanto à abordagem sexual dispensando a corte masculina e até a dimensão do amor na relação, confundindo seus papéis primitivos. Existe também uma certa incongruência entre o discurso e a prática nas escolhas amorosas atuais. Na escolha predominantemente narcísica, as queixas são de falta de cuidado e atenção. Os relacionamentos são abertos, efêmeros, mas se invade a privacidade do outro através do celular, email, localizadores, crises de ciúmes por causa de mensagens, telefonemas não atendidos, porque a pessoa não está onde disse que estaria.

Houve de fato mudanças radicais do passado breve à hipermodernidade que afetam profundamente as relações amorosas. Entretanto, permanece o desejo de fazer vínculos, a tentativa de sair da solidão e, cada um, à sua maneira, tenta iludir o desamparo e a incompletude, pois o amor é ainda o que consegue fazer laço entre o real e o simbólico.

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